Pseudo-Crítica: Last Night (2010)

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Primeiro que tudo, há que referir a errada tradução atribuída a este filme. Embora "Last Night" seja uma expressão um tanto ou quanto ambígua, quem quer que seja que o tenha traduzido, escolheu o pior título possível. Em Portugal, o filme é chamado "A Última Noite", o que não tem nada a ver com a história do filme. O filme deveria chamar-se "Ontem à Noite", porque é sobre isso que trata: a noite de ontem. Não há nenhuma noite que seja a última. Mas em frente.

O filme trata um casal (Keira Knightley e Sam Worthinton) que passa uma noite separado: o marido numa viagem de negócios com uma colega atraente (Eva Mendes) enquanto a mulher reencontra um antigo amor (Guillaume Canet).

Este filme sofre de um mal terrível. O guião não é consistente, e o cliché de cada plot point é disfarçado por o que o espectador é levado a pensar como sendo meras ocorrências do dia-a-dia. Isto, claro, evidenciou-me aos meros trinta minutos de filme um facto que imediatamente se confirmou: o filme foi escrito por uma mulher.

A história arranca quando Joanna e Michael se preparam para ir a um jantar de negócios da parte de Michael. Plano a plano, o cenário é-nos apresentado, o usual capricho visual destes filmes sobre o dia-a-dia de problemas conjugais: uma bela casa de várias assoalhadas, uma decoração moderna baseada no minimalismo, exposições forçadas de intelecto por todo o lado (revistas e jornais, discos sem um gira-discos à vista, cartazes de coisas que o espectador nunca terá o intelecto suficiente para compreender de que se trata...). Um apartamento luxuoso impossível de ser mantido num só salário - coisa que nos é dita a certo ponto da história.

Na festa, Joanna observa a forma como Michael conversa com uma colega sua de trabalho, Laura. Joanna fica irritada, e confronta Michael com o que viu. A realidade? Joanna não viu nada. Nãosei se é apenas péssima direcção de actores se é uma terrível ideia de arranque da realizadora, que também é argumentista. Em planos demasiado longos, é-nos mostrada uma conversa para lá de um vidro (e, portanto, impossível de ouvir, o que conota um certo mistério na coisa) em que Michael e Laura nem tão pouco se tocam, estão encostados a um parapeito de uma varanda com um copo de vinho na mão de cada um e conversam. Nada se passa. No entanto, um plano ainda mais longo é mostrado de Joanna a observá-los descontente. Agora, eu sei que a Keira Knightley é uma excelente actriz, mas a cena apenas mostra uma coisa: o incondicionável (e desnecessário) esforço em vitimizar a mulher. Não há nada que seja mostrado que evidencie um caso romântico ou sequer a mínima atracção mútua. Nada. Tudo o que levou a realizadora a pensar que isto seria facilmente transmitido foi a inserção de vários planos da reacção de Joanna.

O que estes planos me disseram não foi mais do que Joanna ser uma mulher ciumenta e irritante, o que não me trouxe nenhuma empatia. Mas não se fica por aqui, pois há mais planos: Joanna pede um copo de vinho. Michael diz que vai buscar. Ele desce umas escadas e vê Laura seguindo-o enquanto conversa com outro homem. Quando se encontram no andar de baixo, Joanna observa como Michael oferece o copo de vinho que era para si a Laura e pede outro, supostamente para a mulher. Que ultraje, isto de ser cavalheiro.

Quando chega a casa, Joanna confornta Michael. Mas não depois de uma demasiado longa cena da mulher vitimizada a fazer beicinho, mudando de roupa e sacando de copito lavado, garrafa de álcool e um bom gole de gasóleo para despoletar a discussão. Joanna, então, pergunta-lhe se achava que não iria reparar. Michael não faz ideia de que fala, evidentemente. Joanna diz que ela é muito bonita, e pergunta-lhe porque não leh disse que esteve com ela numa viagem de negócios há tempos atrás. Onde mais uma quantidade de gente teve. Mas isso não interesse. Estava lá uma gaja boa, é suficiente.

Eu quero acreditar que não é da representação mas sim das opções da realizadora e argumentista. Tenho fé no Sam Worthington, tanto quanto tenho na Keira Knightley (para certos papéis, e não me parece que este tenha constituído um desafio), mas a representação é pobre, não fundamentada e demasiado óbvia. Joanna é uma mulher temperamental que rebenta com qualquer evidência do que quer que seja que a sua personalidade paranóide nãoaguentem enquanto Michael é um banana que engole e cala e nada diz. Isto até poderia ser uma fundamentação para uma narrativa interessante, excepto que não é. É o resultado de uma mulher frustrada, provavelmente com amores falhados no passado, que decidiu escrever um guião e relizá-lo. Um desastre.

Ao ler a sinopse, uma pessoa é levada a pensar que as personagens centrais são duas: Joanna e Michael, o casal central. Excepto que não é isso que a realizadora faz. Joanna é o foco, Michael é apenas o adereço. Joanna é a mulher com emoções e que realmente se debate com questõe sinternas, aquela a quem lhe é permitido que questione o seu casamento. Porque é uma mulher. Michael é o patife que come a gaja boa. Isto até se torna evidente no casting: caso contrário, nunca a realizadora teria escolhido a Eva Mendes para o papel da maldita que lhe atiçou o marido entre as suas pernas. Poderia ser uma mulher de aspecto normal, cuja atracção residisse minimamente no intelecto? Podia. Mas que impacto teria isso? Que imagem transmitiria isso do marido, enquanto uma personagem tridimensional com sentimentos, que se interessa por mulheres o suficiente para conversar com elas antes de marcar pontos? A de um homem normal, lá está. Mas claramente que não é isso que a realizadora pretende.

Daí o foco recair sobre Joanna, e Michael ser completamente atirado para o lado como personagem secundária cujo único propósito é fundamentar todas as rebeliões de Joanna e a sua aparente dor e insegurança. Por isso, embora Joanna atire à cara do seu marido a ideia não fundamentada de que o seu marido a traiu com uma mulher boasuda. Sem que na cena em que isso é implícito exista uma mínima evidência visual.

Existe aqui uma coisa que deve ser esclarecida. Numa filme, é a imagem que conta, obviamente. O guião pode dizer que Joanna olha para ambos com suspeita, sentindo-se traída. Mas se não é mostrado em termos visuais, o espectador nunca vai entender. Isto pode ser conseguido de várias formas, mas existe o erro recorrente de que a pós-produção salva tudo. Mas não salva. E o que me parece ter acontecido nas ditas cenas iniciais foi nada mais do que má direcção de actores.

A ideia da realizadora é bastante evidente à medida que a história se desenvolve, e fica bem estabelecida a partir do momento em que Joanna encontra Alex, o seu antigo amor. E então, a frase que me disse imediatamente que uma mulher escreveu este argumento é dita: Joanna combina ir jantar com Alex, e sentando-se ao seu lado num requintado sofá, diz-lhe: "Estou muito diferente?"

Esta frase resume todo o intento do filme: focar a atenção em Joanna, vitimizá-la, torná-la humana, torná-la a personagem principal do filme, quando não é. Caso contrário, a primeira pergunta que dirige a um antigo amor quando se encontram para jantar não seria algo tão egocêntrico como a forma como a vê passado todos aqueles anos.

Não é difícil antecipar o que se passa durante o resto do filme. As bases estão bem assentes: Michael é mau, trai Joanna com Laura, claro. Mas Joanna é diferente. Nada se passa entre ela e Alex, o que eleva a coisa a um nível diferente: a intimidade é diferente, é emocional, é metafísica. Pobre Joanna, não precisa de abrir as pernas para ter atracção por alguém, cujos sentimentos já estão fundamentados devido ao passado conjunto com Alex. Ao contrário de Michael, o porcalhão, que vê uma miúda latina de pernas longas e quer logo saltar-lhe ao pescoço.

Apesar disto, o filme não é mau de todo. A fotografia é bonita, os planos bem conjugados. Quando muito, é atraente ao olhar. E entretém. Mas o guião apresenta o verdadeiro desastre. Este é um filme sobre uma mulher para outras mulheres. Mas mulheres como ela. Os argumentos são ridículos, não fundamentados, e os homens meros apetrechos, parte da figuração, adereços que reforçam apenas os argumentos apresentados para as mulheres.

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