Crónicas ao anoitecer

22:17

Essa voz vaga vinda da cozinha não fala para ninguém; mergulhas no vago obscuro do inexistente, porque me queres arrastar contigo? Tua presença é-me o fogo alastrante devorador de almas; eu não sou fénix. Engole-me, dissolve-me, perco-me nas chamas obscuras sem saber para onde ir, mas com meu rumo traçado. Meu vago rumo não é mais do que um trilho de cinzas, porque me deixo cair no teu fogo contagiante, e nada oiço. Essa voz fala para ninguém.
A face pálida que a escuta, na verdade, não escuta coisa nenhuma.
É apenas uma face pálida.
Pele quebrada. Lábios froxos, caídos, gastos, silenciosos; nada têm para dizer. Lábios cerrados pelo tempo e pelas atrocidades do destino. Olhos vazios, sem cor, esqueceram todo o seu passado.
Olhos enublados pela névoa de amanhã. Olhos que me fixam com um vazio negro de incerteza. Olhos que me educaram; olhos que não me conhecem.
Tacto leve da pele quebrada, pálida; tacto leve da pele estalada e dos olhos vazios; tacto leve, insensível, escondido, confuso. O que é o tacto?
A pele pálida e quebrada que acercam os olhos escuros, vazios, baços, para quem falas e que nada ouve. Essa tua voz é nada - não é cântico perdido dos tempos, não é voz forte da certeza - é apenas vento perdido na brisa que não encontra o seu rumo.
É apenas nada.

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