Lição de Vida

04:41

Houve um dia na minha vida em que saí de casa a pensar que ia tomar uma das decisões mais importantes da minha vida, em que pensei que ia finalmente estabelecer um rumo, definir as coordenadas do meu futuro. Havia tomado a decisão dois anos antes; tentara à primeira, falhara. Aquela seria a segunda vez. Durante um ano que jurei a mim mesma que não mais eu falharia. Estava determinada, convenci-me de que aquela era a tal decisão. No meu interior, não precisava de adiantar mais pormenores, mais detalhes, mais justificações. Aquilo chegava-me.
Até ter chegado o dia.
Nesse dia da minha vida, por alguma razão, convenci-me de que fora iludida pelas vozes do exterior, as vozes falsas do mundo. Parada na plataforma dos combóios de bilhete comprado poisado na minha mão e uma pasta com toda a papelada necessária na mala, parei para pensar.
Questionei-me pela primeira vez.

Houve quem não percebesse porque desistira eu. Tendo, talvez, eu sido a primeira pessoa a não compreendê-lo. Foi como se tivesse soprado vento e, com ele, uma voz. "Não o faças", sussurrar-me-ia. E não o fiz. De bilhete na mão e asta na mala, nesse tal dia tão importante para a minha vida, tudo o que soube fazer foi voltar atrás; foi precisamente desistir.

Pelo menos, enquanto saboreei o caminho de volta imersa em confusão, tudo o que isso me parecia era nada mais que desistência, fragilidade, falha minha. Durante meses que as vozes do exterior me assombraram. "Porquê, Ana", "Porque nem sequer tentaste, Ana", "Mas, vá lá, porquê, Ana". E tudo o que a Ana respondia era "Não é o que eu quero".

Era difícil acreditar que "o meu sonho" tinha terminado daquela maneira. Que, depois de dois anos a insistir que o conseguiria fazer, eu desistira de tudo num piscar de olhos. Que, depois de tanta persistência e luta, eu esquecera tudo isso e pura e simplesmente deitara o meu futuro a perder. As coordenadas estavam perdidas para sempre, o caminho que eu construíra ao longo de tampo tempo desmoronara-se - era assim que tudo se parecia.

Nunca cheguei a compreender exactamente porque o fizera, ou porque não tomara essa decisão antes, sequer, de saír de casa - ou antes, sequer, de ter pago o bilhete de comboio, sempre eram dois euros e pouco que poupava. Na altura - e numa altura destas é tudo o que se consegue pensar - era mesmo disso que se tratava: de desistência. Mas se há coisa que nunca cheguei a sentir, foi remorso, arrependimento.

Agora compreendo que existem pequenas acções na nossa vida que nos definem coisas mais importantes. O que me pareceu uma monumental desistência transformou-se na melhor opção da minha vida. O que as vozes do exterior me disseram ter sido o pior erro da minha vida tornou-se a maior certeza de que alguma vez me apercebera.

Eu nunca desistira do meu sonho, apenas tomara um atalho.

A verdade é que não consruímos os nossos caminhos com pedras e vigas de madeira. Calcamos o terreno com os nosso próprios calcanhares à medida que prosseguimos. Torna-se impossível prever o dia de amanhã quando tudo é possível que aconteça. Esse rumo torna-se numa mera estrada de terra batida, de areia, talvez até um terreno baldio, onde temos que assentar e aumentar a nossa estrada. Estrada essa que, na verdade, nunca existiu. Por vezes, as pedras que, segundo o ditado, "nos atiram e nós apanhamos para construirmos castelos", por vezes, não passam de distracções e influências.

São as vozes exteriores materializadas.

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