As novas tecnologias arruinaram a sociedade, diz o crítico através do seu iPhone 7

18:38

Thomas Edison era um bruxo e a electricidade mata gatos. Criticar as novas tecnologias é tão pão-nosso-de-cada-dia que cada vez que vejo uma nova onda de "artista demonstra a verdade sobre a nossa sociedade viciada em redes sociais" suspiro e sigo em frente. A verdade é sempre a mesma: estamos sempre a olhar para telemóveis. Leiam livros! Saiam à rua! No meu tempo brincava-se ao ar livre e as pessoas conversavam umas com as outras quando iam jantar fora. Já mais do que uma vez fui a um bar e vi a infame plaquinha do "não temos wi-fi, falem uns com os outros". Mesmo que eu até nem queria usar o meu telemóvel, a geração mais velha está me sempre a relembrar que eu sou uma merda só por ter um.
Dos cartoons do New York Times aos projectos fotográficos, dizem todos a mesma coisa. Selfies são egocêntricas e já ninguém sabe viver sem tecnologia. É normal que não saibam. Se hoje em dia, quando fico subitamente sem telemóvel e tenho coisas combinadas, alguém sempre me diz "faz à moda antiga, no meu tempo combinava-se um dia e hora e estava feito", mas suponho que seja por isso mesmo que esse tempo tenha originado uma série de filmes melodramáticos sobre mulheres deixadas penduradas em mesas de restaurante à luz das velas, talvez porque não havia telemóveis para telefonar e perguntar "mais cinco minutos e vou-me embora". Se saio de casa e me esqueço do telemóvel, alguém me diz "lê um livro, antigamente era o que fazíamos", só que ao menos uns phones nos ouvidos impede aquela senhora que sem aviso se vira para mim e pergunta "o livro é bom?" a tentar meter conversa, e vamos lá com deus, ninguém gosta que metam conversa consigo num autocarro público, excepto nos filmes do Woody Allen. É sempre o mesmo que se diz, uma geração ressabiada por ver os mais novos carregados de coisas novas que não sabem mexer, a vê-los guardarem para sempre na internet uma fotografia de si próprios enquanto a única fotografia sua de quando tinha 20 anos desapareceu quando se casou. 

Não é que não haja críticas a fazer, é que se diz sempre a mesma merda e já cansa.

Passarei a exemplo prático.

Chompoo Baritone, fotógrafo da Tailândia, criou um projecto que supostamente recria a verdade por de trás das fotografias do instagram. São pequenas narrativas de como as nossas postagens nas redes sociais - nomeadamente por meio da fotografia - cria ilusões de histórias que queremos passar, mas que na realidade não estão lá. Também já ouvi essa. No início dos anos 2000 era o photoshop. Uma pessoa tinha um photoblog, postava uma foto mais decentezinha e meio mundo vinha dizer que era photoshop. A certeza era tanta que me lembro de folhear revistas com amigas na escola secundária e por cada fotografia onde a gaja fosse giraça, vinha sempre uma que dizia "isso é photoshop", mesmo que fosse um paparazzi da mulher a sair do carro de xoxa ao léu. "É photoshop" era resposta para tudo. Suponho que hoje o argumento se tenha adaptado um pouco, dizem o mesmo mas para o instagram.

Pelo menos é o que este artista está precisamente a fazer. A meu ver - e estamos estritamente no campo da opinião pessoal - fá-lo tão bem como quando a minha cadela me tenta obrigar a sair da cama raspando as patas no edredão.

Passarei a relatar foto a foto:


O que a foto diz: fiz o pino num parque.
A verdade: uma amiga segurou-me os pés.
A crítica: no meu tempo, era nos pátios de cimento, debaixo de telheiros de zinco, que se fazia pinos. E gaja que era gaja empinava-se de saia ou calça, não era cá com roupinhas de treino, e fazia-se pinos sobre pinos até que a última da pilha já so tocava com o pézinho na xaroca da primeira. Ninguém segurava pés a ninguém.


O que a foto diz: comi salmão com legumes e arroz.
A verdade: o gato ia-me comendo o salmão com leumes e arroz.
Crítica: os livros não se usam para apoiar os pratos, para isso existem umas coisas redondas muito giras e baratas no IKEA.


O que a foto diz: tenho um mac.
A verdade: vivo numa pocilga.
Crítica: pinhas nos lençóis são um terrível motivo de decoração. Arrume o quarto antes de tirar uma foto. Se calhar o quarto foi arrumado depois de tirar a foto. 


O que a foto diz: eu numa paisagem urbana bonita.
A verdade: eu numa paisagem urbana que nem é assim tão bonita?
Crítica: há aqui qualquer coisa que me está a escapar.


O que a foto diz: eu na praia a apreciar o bom tempo
A verdade: quem foi o porco que deixou a garrafa de água na areia??
Crítica: a malta perde tempo a tirar fotos artísticas e perde o rasto dos miúdos que fogem para o mar.


O que a foto diz: tenho umas plantinhas giras.
A verdade: talvez tenha plantas a mais.
Crítica: depois de romper com a sua namorada, e ao fim de dois meses de crise, Manuel percebeu que a jardinagem afinal não é para si.


O que a foto diz: fui jogar ténis.
A verdade: mais gente veio jogar ténis.
Crítica: o nosso tipo de corpo não dita se somos atléticos ou não, ó palhaço que está aí ao lado a rir da miúda.


O que a foto diz: fui andar de bicicleta.
A verdade: ...mas toda a gente foi a pé.
Crítica: não entupa o trânsito com o seu pretenciosismo de quem quer salvar o planeta a andar de bicicleta.



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