Hollywood e as Técnicas de Venda

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Há mais de cinquenta anos, Theodore Adorno considerou todo o cinema como entretenimento puro, excluindo-o, assim, completamente do âmbito da arte. Fez algo semelhante com a música e a literatura. Foi condenado por isso, considerado elitista, e nos dias correntes, de facto, atendendo à produção artística do seu tempo, podemos crer que Theodore Adorno exagerou em termos dos limites da arte.

O que não pensamos é até que ponto Adorno estaria certo ou não na actualidade, porque pensamos que reduzir a arte a um mero entretenimento, como Adorno fez, é demasiado redutor. E contudo, por acharmos que isto é um exagero, não nos perguntamos o que é a arte hoje em dia. Para exemplificar isto, pegarei primariamente num exemplo: o cinema.

Veja-se o exemplo de Hitchcock. Hitchcock foi um realizador contido de um absoluto génio. Foi o primeiro a filmar uma casa-de-banho, e não apenas uma-casa-de-banho, a primeira onde a acção principal do enredo se passava, aquilo que no guionismo chamamos de plot point, o momento em que todo o enredo dá uma reviravolta e adquer um novo caminho, uma nova vertente no seu desenrolar. O momento em que, por conlcusão, afecta tão drasticamente o personagem principal, que este é forçado a medir o seu rumo. Hitchcock apresentou este momento na casa-de-banho, coisa até então não feita e jamais tida em conta. Afinal, falamos da casa-de-banho, não é assim?

Hitchcock nunca viveu para ver um óscar. Este realizador, que hoje temos a liberdade de considerar genial, viveu num tempo em que Hollywood enriquecia dos dinheiros estrangeiros, de quando, do outro lado do oceano, a guerra arrasava com as economias dos países criadores de toda a teoria, estética e génenesis até de muitas formas de arte. Hollywood, compreendendo que acarretava cada vez mais em si o peso de uma intelectualidade emigrada, fomentou esse mesmo âmbito. Se hoje existe cinema hollywodesco, é porque, um dia, a intelectualidade e prática artística europeia emigrou para se salvar de uma guerra.

Terá sido isso que fomentou Hollywood enquanto indústria cinematográfica. O facto é verificável través das grandes Majors - fundadas por emigrantes - que enriqueceram através das suas capacidades criadoras por meios alheios. As grandes estrelas de cinema, a partir dos anos '30 (já antes do período da guerra) tornaramse as caras dos filmes; as grandes Majors, cinco ao todo, compreenderam que poderiam vender o seu produto através das suas caras. Se conhecemos Rita Hayworth, Marylin Munroe e Marlon Brando, é porque aqui se fundamentou o starsystem, que não demove as capacidades e qualidades dos actores, mas os fundamenta como base do filme, como cartaz vendedor do produto. Foi este o sistema que fomentou a produção industrial cinematográfica.

Uma das coisas que Adorno combateu foi esta ideia: a de indústria da cultura. Esta indústria não é mais do que o entretenimento da arte, subjugada por esta matéria. Se podemos dizer que Adorno exagerou é porque hoje podemos estudar com mais exactidão - e acima de tudo, neutralidade - as criações do seu tempo. Contudo, não é possível dizermos que Adorno fomentava a sua ideologia de um absoluto nada. 

Pois vejamos o cinema da actualidade: o cinema europeu é abnegado (não inteiramente, claro), sempre tido como o cinema intelectual. Isto gera que os padrões-limites da arte se expandam de tal forma que hajam novas formas difíceis de absorver. Mas sobre isto, falaremos mais tarde.

Quando Hollywood, que depois de fazer Remakes com um mês ou pouco mais de diferença (como, aliás, se verificou através d'Os Homens que Odeiam as Mulheres), perdendo todo o orespeito por os colegas criadores, realizadores artistas, perdeu toda a ideia de fazer dinheiro com coisas já feitas, eis que adquer um novo pensamento: vender exactamente o que já foi vendido.

Soube hoje que uma nova remasteracização de Vertigo passou para cinema. Há tempos atrás, também a versão 3D de Titanic chegou às salas de cinema. Amigos meus, super-entusiasmados, dizem: vamos ver o Vertigo ao cinema. Todos esses amigos em questão tinham, em suas casas, o DVD correspondente. Perguntaram-me se não queria ir ver. Respondi que não; também eu tenho o DVD e já vi o filme. De minha livre e espontânea vontade, exclamo: ver um filme no cinema que se tem em casa é estúpido. Foi uma exclamação espontânea, mas com o seu fundo de razão. Responderam-me: tu que és realizadora só tens é que compreender.

Agora, ofendida pela exclamação, tenho de afirmar o porquê do elitismo contido nesta afirmação.

Primeiro que tudo, é preciso entender o que é isso da remastirzação ou raio que o parta. Hollywood, que quer comprar e vender o que já está moído e ruminado, pensa que pode vender esta ideia. Contudo, a remasteraização, ou sei lá, é uma ideia fantasma. A qualidade do filme que vão gastar 6€ para ir ver ao cinema, na verdade, é quase a mesma. Porquê? Porque não tinham melhor qualidade de captação no tempo em que o filme foi gravado. E há que acrescentar que a beçeza do filme está incutida precisamente nos meios atribuídos da época. Vejamos Méliès. E se remasterizassem Méliès? Mas não foi Méliès gravado no século XIX e inícios do XX? O que é, então, que torna os seus filmes tão inéditos?

Precisamente: a capacidade de criação atendendo ao tempo. A capacidade dessa transposição da ilusão para o ecrã cinematográfico através de tudo aquilo de que Méliès dispunha: meios que hoje consideramos fracos. Isto, a meu ver, deveria ser uma lição para os novos realizadores: não é preciso ter dinheiro, é preciso apenas ter originalidade, conseguir contornar os obstáculos. Serão realmente grandes realizadores se conseguirem ir avante com a vossa ideia e, através de tudo o que dispõem, mesmo que seja pouco, conseguirem representá-lo na imagem-movimento que apresentam no ecrã. Méliès ensinou-se isso quando filmou A Viagem à Lua, e que até hoje se torna um clássico.

Então, afinal, o que é que vão ver ao cinema? Absolutamente a mesma coisa que foi feita há cinquenta anos atrás, é isso que vão ver. Mas não seria o facto de ver no cinema um valor atribuído?

Existe uma palavra na língua portuguesa que se denomina de "circunstância". A Circunstância, neste caso, é precisamente aquilo que é vendido. Quando dizem que o filme foi melhorado (o que só é possível parcialmente), na verdade, querem vos vender a ideia de uma coisa que parece inédita: venham ver este filme numa sala de cinema, coisa que, vocês, na vossa geração, nunca tiveram a capacidade de o fazer! Não parece isto atractivo?

Agora pergunto: mas quando vemos uma fotografia de um quadro ele não é igualmente esteticamente aprazível? Não o fruímos da mesma forma? Fruímos, sim. E ele continua a ser um Velázques, um Turner ou mesmo um Caravaggio. Mas dizemos sempre que é melhor vê-lo ao vivo. É verdade. Então, o que difere um quadro do cinema?

O que Benjamin afirmou: o cinema e reprodutível, logo, não tem original. A película onde é gravado, no fundo, é apenas um meio, até porque esta película é precisamente uma parte do meio. Ela é retalhada, cortada e colada a outros pedaços de película. Isto é a reprodução do original - original esse que deixa de ter original. O cinema transforma-se, sim, como Adorno disse, numa arte de massas, mas ainda assim numa arte.

Então é melhor ver no cinema ou não? Bom, a menos que nos dirijamos a uma representação de um filme de Michael Bay, a menos que o filme apresente as características de hoje, sim, se não tiverem em casa a capacidade de reprodução de todo o sistema de captação quer de imagem quer de som da época. Mas Vertigo? Duvido que Hitchcock afirmasse, em vez alguma, que os seus filmes eram para ser vistos apenas no cinema. Os meios a que Hitchcock recorreu eram, em comparação aos dias de hoje, primitivos. Então em que é que a visualização no cinema melhora? NADA.

A apreciação, a fruição estética, é adquirida em qualquer lado. Se vemos um filme na nossa casa, ele será a mesma coisa (no caso de Hitchcock, claro), que no cinema. A composição dos planos, a delicadez do som e os jogos de luz/sombra serão exactamente os mesmos. As representações não mudarão. A essência que compõe um plano cinematográfico continua ali: um jogo de câmara, um actor que representa, jogos de luz, de sombra, uma estética que é composta APENAS por meio da planificação e idealização do realizador e não simplesmente por meio de pós-produção e de alteração (conquanto que exista aqui importância, mas sobre isto, mais tarde). Ver um filme de Hitchcock em casa ou no cinema atribui-lhe exactamente a mesma fruição estética. Não é a mesma coisa que ver um, quadro ao vivo em comparação com ver um quadro num livro, mas um quadro tem um original. Os filmes de Hitchcock não têm original - não é suposto terem. O que vos dizem de melhoramento são técnicas de venda.

Portanto, se querem ir ver ao cinema, vão - mas tenham em conta que é tudo uma questão de circunstância; é assim que vocês apreciam melhor a obra de arte, é uma questão pessoal. Mas nunca, NUNCA, digam a alguém entendido de cinema que deveria entender só porque é realizadora. É como dizerem a um pintor que SÓ TEM é que apreciar o renascimento porque pinta.

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