Da Geração à Rasca

16:36


Manifesto do Protesto APARTIDÁRIO, LAICO e PACÍFICO:

"Nós, desempregados, “quinhentoseuristas” e outros mal remunerados, escravos disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, estudantes, mães, pais e filhos de Portugal.

Nós, que até agora compactuámos com esta condição, estamos aqui, hoje, para dar o nosso contributo no sentido de desencadear uma mudança qualitativa do país. Estamos aqui, hoje, porque não podemos continuar a aceitar a situação precária para a qual fomos arrastados. Estamos aqui, hoje, porque nos esforçamos diariamente para merecer um futuro digno, com estabilidade e segurança em todas as áreas da nossa vida.

Protestamos para que todos os responsáveis pela nossa actual situação de incerteza – políticos, empregadores e nós mesmos – actuem em conjunto para uma alteração rápida desta realidade, que se tornou insustentável.

Caso contrário:

a) Defrauda-se o presente, por não termos a oportunidade de concretizar o nosso potencial, bloqueando a melhoria das condições económicas e sociais do país. Desperdiçam-se as aspirações de toda uma geração, que não pode prosperar.

b) Insulta-se o passado, porque as gerações anteriores trabalharam pelo nosso acesso à educação, pela nossa segurança, pelos nossos direitos laborais e pela nossa liberdade. Desperdiçam-se décadas de esforço, investimento e dedicação.

c) Hipoteca-se o futuro, que se vislumbra sem educação de qualidade para todos e sem reformas justas para aqueles que trabalham toda a vida. Desperdiçam-se os recursos e competências que poderiam levar o país ao sucesso económico.

Somos a geração com o maior nível de formação na história do país. Por isso, não nos deixamos abater pelo cansaço, nem pela frustração, nem pela falta de perspectivas. Acreditamos que temos os recursos e as ferramentas para dar um futuro melhor a nós mesmos e a Portugal.

Não protestamos contra as outras gerações. Apenas não estamos, nem queremos estar à espera que os problemas se resolvam. Protestamos por uma solução e queremos ser parte dela."

http://geracaoenrascada.wordpress.com/




Cada vez mais os jovens desistem dos estudos. Desistem de continuar a sua educação e de aprofundarem os seus conhecimentos. De gastarem propinas de mil euros anuais em universidades públicas ou milhares avultados em universidades privadas. Já não vale a pena. Porque não há emprego, não há oportunidades, e isto é o salve-se quem puder. Porque um jovem de canudo na mão é demasiado qualificado para servir às mesas, mas não tem qualificações suficientes para trabalhar numa empresa de sua área, ou seguir os seus sonhos.

Somos a geração filha daqueles que nos dizem que não tiveram tantas oportunidades para estudar, como nós hoje temos. Aqueles que tiveram, foi uma sorte. Trabalharam dia e noite para colectar cada cêntimo que viria a pagar as propinas. E hoje, proporcionam-nos essa oportunidade. Os meninos dos papás que esfalcaram o couro para pagar os estudos, e que aos vinte e oito anos ainda vive nas casas dos papás. A televisão di-lo, a imprensa e comunicação social grita-o (como se verificou na reportagem transmitida pela SIC), porque é que o povo não há de acreditar? E a pergunta impõe-se: para quê estudar? Tenho amigas que não estudaram e que decidiram trabalhar para uma caixa do Mini Preço, depois para uma caixa do Pingo Doce, depois para uma loja de acessórios e talvez mais uma papelaria. Vivem na sua casa, pagam as suas contas, alimentam as suas bocas. Enquanto eu estudo. Enquanto tantos outros que também conheço terminam os seus cursos, sem qualquer perspectiva de oportunidade à vista. Então, para que é que estudamos? Os cursos são cada vez mais selectivos, as médias aumentam que é um disparate. A selectividade é toda ela errada. Os talentos não têm média para seguir os seus sonhos, e aqueles que estão indecisos na vida roubam-nos as vagas. As oportunidades começam a desaparecer logo assim que decidimos iniciar o percurso académico - a universidades são, cada vez mais, para as elites (nomeadamente as artísticas).

Então, para quê estudar? Para quê estarmos três anos a tirar uma licenciatura que, graças ao processo de Bolonha, veio a perder o seu valor? Para quê prosseguir com mestrados e pós-graduações se as empresas preferem explorar aqueles que procuram apenas uma oportunidade? Porquê dar-me ao trabalho se tudo o que se me avizinha são estágios não remunerados, empregos mal pagos e uma vida inteira de recibos verdes, tudo para que os quadros superiores continuem a proporcionar àqueles que conduzem os BMW e Mercedes das nossas vidas uma vida de luxos e regalias? Então, para quê?

Porque esta geração não desiste e persiste na procura dos seus sonhos, de uma carreira estável, de um emprego decentemente remunerado e todo um propósito para os milhares gastos em propinas de anos e anos de estudo que, cada vez mais, nos parecem desvalorizados, desnecessários, inúteis; porque esta geração ainda assim procura uma melhoria, para si e para a próxima, vamos todos sair à rua no dia 12 de Março, por todo o país, para nos fazermos ouvir. Para o desejo de uma geração safa, em que a promessa do seu futuro não se limite a recibos verdes, estágios não remunerados e empregos mal pagos. Velorizem-se os estudos, valorizem-se as competências, os balúrdios gastos por ricos e pobres em educação. Valorize-se a vida académica que muitos se esfalcam para poder obter sob a promessa de um futuro melhor do que alguns dos nossos pais.

Página Facebook do evento (com todas as indicações necessárias): http://www.facebook.com/#!/event.php?eid=180447445325625

Em Lisboa: dia 12 de Março, às 15:00h, Avenida da Liberdade.

"Que parvos que os precários são!

"Que mundo tão parvo, onde para ser escravo é preciso estudar". A frase resume a "geração sem remuneração", que só por acaso até é o futuro do país. Afinal, quem são os parvos?

Por Paula Cosme Pinto.

Tenho uma amiga que trabalha há doze anos a recibos verdes na mesma empresa, sem perspetiva de ser inserida no quadro. Tenho outra amiga que, embora tenha um doutoramento, trabalha num call center onde ganha mais do que na profissão para qual estudou tantos anos. Tenho outra amiga que adiou durante três anos a vontade de ter um bebé porque é precária desde sempre. O tempo do seu relógio biológico estava a esgotar-se e partiu para a maternidade sem saber se será despedida quando descobrirem que a barriga está a crescer. Tenho uma amiga que fez uma gigante dívida na Segurança Social porque, durante vários anos, ganhou €500 a recibos verdes, sem obviamente ter hipótese de pagar os 29,06% do ordenado que lhe eram exigidos por lei.

Esta lista de amigas podia continuar por inúmeros parágrafos. Um reflexo preocupante da dita "geração sem remuneração", que não pode fazer planos de futuro tão simples como dar o passo para sair da dita "casinha dos pais". Talvez porque durante vários anos também eu fiz parte dessa geração, fui uma das centenas de pessoas que deu por si a levantar-se, emocionada, para dar a maior salva de palmas de todos os tempos aos Deolinda pela sua nova música, "Parva que eu sou", apresentada ao vivo nos Coliseus do Porto e Lisboa.

"Estagiar já é uma sorte"

Entre o público vi jovens que abanavam com a cabeça em sinal de total compreensão. Muitos tinham as lágrimas nos olhos quando a música chegou ao fim. E acreditem: não estou a enfatizar. Vi pais que agarravam nas mãos dos filhos, com a preocupação estampada no rosto. Afinal, como será o futuro desta geração precária, para quem "estagiar já é uma sorte"? Vi senhores de ar altivo, com botões de punho e esposas de casaco de peles, a pararem de rir e baixarem os olhos. Talvez envergonhados, gostava eu de acreditar.

Não duvido de que esta música se vá transformar num hino para a geração dos recibos verdes. De todos os que vivem na corda bamba, sem conseguirem sequer pedir um empréstimo ao banco caso não tenham a sorte de ter os pais como eternos fiadores de uma vida a prazo. Muitos deles a trabalharem há já demasiados anos de forma ilegal, explorados por empresas que teimam em descartar-se das suas responsabilidades. Já para não falar da fiscalização tantas vezes inexistente por parte das autoridades competentes. Nem muito menos da falta de proteção a quem decide quebrar o silêncio e denunciar uma situação irregular.

Oiço a música mais uma vez, abano a cabeça ao sentir a pele ficar, novamente, tipo galinha, e fica-me a pergunta a ecoar na cabeça: afinal, quem são os parvos no meio disto?"


"É mais fácil lutar contra a ditadura do que contra a ditamole!

Por Yana António.

É inacreditável o ódio que escorre pelas caixas de comentários das notícias relativas à manifestação marcada para dia 12 de Março, ódio pelas pessoas que querem continuar a lutar por este país. E é inacreditável o “tom” do especial informação da SIC – que é recorrentemente mencionado nestes comentários – “Geração à rasca” – que tenta passar a ideia de que os precários são todos uns meninos que querem é carros e telemóveis de última geração: “vícios de quem quer ser moderno e nem pensa na velhice” – como se o sistema de transportes públicos que temos permitisse a todos chegar ao emprego, e como se abdicando do telemóvel se resolvesse o problema do desemprego – deveríamos todos virar mórmones para fazer face à crise? Se passarmos a dormir numa tenda à porta do emprego e usamos pombos correio para comunicar, tudo ficará bem. Os recém-licenciados desempregados entrevistados vivem todos em casa de familiares. Gostava que tivessem procurado os licenciados que saíram de casa dos pais e que estão a trabalhar precariamente e a partilhar apartamentos com mais 5 ou 6 pessoas. Nem todos podem ficar em casa dos pais, mas ninguém se lembra desses.

O jornalista pergunta ao pai de um licenciado em cinema há 7 meses, que vive em casa dos pais: “Então? Não está farto deste filme? Pagaram os estudos ao menino e agora têm o menino a viver cá em casa” – coitado do “menino”, neste país não lhe valeu estar licenciado há apenas 7 meses e já ter um prémio de realização português e um sérvio… devia era ir lavar sarjetas, para saber o que é a vida, em vez de contar com a ajuda dos pais mais 2 ou 3 anos, até um dia o ICAM se lembrar que há mais talento em Portugal para além da lista de 15 ou 20 nomes que vão todos os anos buscar para atribuir financiamentos… Segue-se uma comparação das vantagens de se ser mais velho e as desvantagens de se ser mais novo: reformas, saúde, acesso ao crédito. Esta história de tentar virar os pais contra os filhos e os filhos contra os pais mete mesmo nojo. Os vampiros não são os filhos, nem são os pais. São as empresas sem princípios, os abusos e a ganância generalizada.

Parece emergir a ideia de que estes jovens – que estão muito desiludidos porque as licenciaturas não lhes valeram um posto de trabalho – teriam feito uma aposta melhor se não tivessem procurado o ensino superior. Felizmente aparece o Reitor da Universidade de Coimbra, João Gabriel Silva, que lembra que “o desemprego é mais significativo entre os não licenciados”. – Pois é. Se os licenciados estão mal, os não licenciados estão bem na m… parece ser necessário lembrar também que a formação superior não serve só para ter um emprego, serve para a formação pessoal e para elevar o nível intelectual de um país. Como ficamos face ao resto do mundo? E falando em resto do mundo, sugere-se aos jovens recém-licenciados que vão para fora. Como se ir para fora não implique liquidez financeira, e esteja ao alcance de qualquer um.

Por fim aparece a crítica aos jovens “que não querem “sacrificar o sonho pelo possível” – querem mesmo convencer-nos que “isto” é o possível. E o “isto” não se esgota nos licenciados que não conseguem um emprego digno – nas áreas para as quais estudaram, ou noutras – “isto” chegou ao ponto a que chegou porque a maior parte do tecido empresarial português acha que a competitividade se consegue pagando o mínimo possível, escravizando pessoas com ordenados próximos ou por vezes abaixo dos ordenados mínimos. O que está mal é ser normal as empresas recorrerem a falsos recibos verdes e a estágios não remunerados para manter lucros obscenos e os ordenados e privilégios dos quadros superiores muito acima da média europeia. O que está mal é a corrupção e a exploração selvagem. Se não há trabalho na área para a qual os jovens estudaram, há-de haver noutra área qualquer, mas convém que paguem o trabalho, ou não? A competitividade consegue-se com um produto de qualidade, e isso não se consegue com empregados deprimidos que lutam para comprar comida no supermercado, nem com comboios de “estagiários” que se substituem uns aos outros sucessivamente, nunca ficando tempo suficiente para fazer o melhor pela empresa para a qual querem trabalhar. A verdade é que não os deixam trabalhar e os tratam abaixo de cão, porque há sempre outro estagiário que pode ficar com o lugar. O trabalho não será tão bom, mas serve para “tapar o buraco”. Não os deixam crescer como profissionais, e depois queixam-se da “falta de competitividade”.

Sou licenciada, estou nos quadros de uma empresa, e faço o que sempre quis fazer. Sou uma excepção. Mas não tenho a ilusão pretensiosa de que foi única e exclusivamente por lutar muito que consegui. Lutei muito, e sou boa no que faço, mas acima de tudo tive sorte. Antes disso fui muitos anos precária, e conheço profundamente a realidade. Aceitei trabalhos fora da área que me iam comprometendo para sempre o meu projecto de vida. Por isso, porque quero um futuro melhor para os meus filhos, e porque este é o meu País: vou à Manif. E tu?"

Todas as vozes se farão ouvidas.

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