Manifesto à língua portuguesa e razões várias para mandar o Acordo Ortográfico à MERDA

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Sobe o diabo ao pódio expectante de adornos de ouros brilhantes e cintilantes segurando papel nas mãos, nas mãos trémulas segura o papel branco, o papel verde, azuis e vermelhos riscam o papel, um arco-íris bicromático da mudança, da morte à cultura, da morte às palavras, da morte ao país como ele é.
22 DE ABRIL DE 1500
Pedro Álvares Cabral dá voltas na sua tumba amaldiçoada pelos dias que corres, incendeia cartas de Pêro Vaz de Caminha e rescreve-as no pensamento, gritando gíria malfadada a El Rei de Portugal, que fiz eu, que fiz eu, vendi culturas a povos transatlânticos. Gira e gira na sua tumba escalabitana; caem os Cs, caem os Ps, alarga-se a escrita, encurta-se a classe. Como se lê?; já não se lê, gorgoleja-se nas gargantas plenas de raiva os trôpegos ex-portugueses de Fernando Pessoa, cospe-se os tropeços ex-lusitanos de Eça de Queirós, e o último a rir, é sempre Gil Vicente quem se ri melhor. Temeu tantos anos o português que apanhado pelo espanhol fosse, que cai nas malhas daquele que descobriu, o gigante transatlântico.
E enquanto isso, o diabo recita manifestos numéricos de ordem pública, cospe desculpas esfarrapadas de justificações incélebres, incómues, desténues – ISSO, INVENTEM-SE PALAVRAS NOVAS NESTA CULTURA LITERÁRIA LIDERADA POR INTELECTUAIS DA LÍNGUA; e subitamente, os poemas sonoros de Hugo Ball têm todo o sentido do mundo. Pensa o Diabo, de pé no pódio adornado, que o povo engole palavras clássicas que dita formalmente, debaixo das suas caxemiras e algodões importantes, após ostentações de ouros e pratas, e tudo o que brilha é ouro ou falsa burguesia, pisemos a falsa burguesia como baratas, as palavras intelectuais não enganam o povo, ou não fosse o povo o mentor dos contos tradicionais da razão da velhice e da idiotice da juventude.
O saque público das carteiras; ora Saquear, com semelhança tal ao verbo Sacar, essa gíria introduzida por este povo agora vendido a culturas alheias, em que o saque e o sacar geral se fundem num só significado, numa homonímia homogénea isenta de significados; os sacados pelo saque da língua alheia, usurpados da cultura falsa.
É um país que perde identidade enquanto o Diabo assina os documentos a canetas vermelhas e lápis azuis, enquanto o Diabo das Ostentações, no seu pódio adornado a ouros e pratas de falsas cintilações, isentas de almas puras e claras, o Diabo de dois apelidos, risca e rabisca papéis brancos com canetas azuis e lápis vermelhos; troco-me: canetas vermelhas e lápis azuis. O regredir da génese sob o formato de uma ordem quase divina: o diabo é humano, mas veste-se de diabo humano, quer projectar a sua sombra em movimento sobre este povo revoltado e ignorante. Gira lá, ó Diabo: és estúpido, povo, és burro e ignorante, pensas que és alguém?; pois não és, não tens o ouro, ó povo ignóbil. É diabo e julga-se esperto. Vende a nossa cultura a troco de casca de bambu para canoagem no Douro.
Dinheiros, dinheiros, dinheiros, exportações de culturas, transporta-se a letra como quem carrega o cacau ou vende a madeira. Com ela se constrói o livro e a frase e a palavra e tudo o que é quotidiano ou cotidiano – mas a minha tecnologia continua a sublinhar a palavra cotidiano a vermelho. Certo ou errada? Sou jovem, mas aprendi, e com a aprendizagem veio a paixão das letras; não me obriguem a mudá-las!
Que clamor isto soa, qual comunista apetece-me chutar a palavra CAMARADAS como se dele percebesse alguma coisa, mas de políticas enjoei-me. Pisem a política do nosso país e chamem-lhe nomes; lemos transcrições escandalosas em jornais, os políticos dizem-nas, as palavras censuradas, OS POLÍTICOS GRITAM AS ASNEIRAS, VAMOS GRITAR TAMBÉM, ai de quem me censure, ai de quem passe por mim lápis azul, ou por outros tantos como eu, como nós, como os amantes de cultura própria, da literatura como ela nasceu, ai de quem nos risque, que então gritamos para a rua, para toda a gente: SE O DIABO AO PÓDIO GRITA MERDA, POIS EU TAMBÉM GRITO, – pois ao menos é esta palavra portuguesa – e a diferença reside nos adornos de metais dourados e prateados que enfeitam o piroso Diabo, de vestes de marcas e palavras ricas, sentado no seu escritório, tapando paredes com livros marxistas, encobrindo os seus clamores e suspiros de desespero sexual sob o formato de textos de Freud; e diz-nos que é culto, este diabo de tomates enfermos, diz que sonha com torres e põe em causa o seu fálico pensar de homem potente que é, ou deixa de ser. Conduz o seu carro de milhões de ouros e ouve Tchaikovsky, deleita-se na sua cadeira estufada a veludo vermelho e em vestes douradas e azuis, que perfeito sobre que perfeição. Deleita-se o diabo impotente numa cadeira e lê como quem não ouve o rosnar furioso do povo que considera estúpido.
Não faço parágrafos, não arrumo o texto, não sublinho nem limpo a minha gramática. Cometo erros HORTOGRÁFICOS propositadamente; e porquê? porque a minha cultura vendeu-se, que nem puta infame no intendente, que nem galdéria actualizada, deste novo século, a jovem que veste roupas arrojadas, balouça o cu nas ruas e se desculpa de "mulher emancipada neste novo século" para disfarçar o apelido de PUTA que lhe corre nas veias. É tão puta quanto o diabo que a carrega no seu carro potente da sua impotência de homem. NÃO QUERO ESCREVER BEM enquanto a minha cultura viver vendida além-mar. Não, enquanto o Diabo continuar no pódio, segurando as duas armas, o papel e a caneta, ignorando a sua impotência, Diabo que é político impotente gera filhos artistas deficientes, burros, estúpidos, classifica-os o Diabo, o verdadeiro ignorante da sua pobre condição de carne podre entre o povo raivoso que mostra os caninos amarelos.
A palavra revoluciona, inspira, transpira, embeleza, pinta, canta, soa, salva vidas, tira vidas, relembra, vidas, é eterna e morre um dia, e renasce por ser eterna, é alquimia de amor com paixão e vida e morte e todas as sensações e uma sinestesia de movimentos literários. É cores e sensações e o retrato da vida de um artista nas mãos singulares com a caneta presa entre os dedos fortes do corte no papel, da tinta riscada na superfície branca. Escrevam, escreva-se, grite-se as palavras no papel sem este acabar e julguemos em conjunto a cultura vendida, que é tão nossa, e mandemos os intelectuais à merda.
A palavra é nossa e ai de quem a altere!

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