Depoimento do Cineasta
01:02"Penso que, para fazer um filme, o livro ideal não é um romance de acção, mas, pelo contrário, um romance que retrate a vida interior das suas personagens. Eu dou ao argumentista uma ideia global sobre o que pensa ou sente uma personagem em qualquer momento da história. A partir daí, ele poderá inventar a acção em correlação objectiva com o conteúdo psicológico do livro, e poderá com justeza dramatizar de forma implícita - off-the-nose, isto é, de forma "oblíqua" - sem que os actores tenham de exprimir literalmente os seus sentimentos...
As pessoas perguntam-me como é possível fazer um filme a partir de 'Lolita', quando a qualidade do livro assenta na prosa de Nabokov. Reter apenas a prosa de um excelente romance é simplesmente substimar o que faz com que um livro seja excelente.
Um dos elementos para fazer uma obra excelente reside precisamente na qualidade da sua criação literária. Mas essa qualidade é o resultado da obsessão relativamente ao seu assunto, com um tema, um conceito, uma visão da vida bem como uma compreensão das personagens.
O estilo é o que um artista utiliza para fascinar o leitor de modo a comunicar-lhe os seus sentimentos, as suas emoções e os seus pensamentos. É isso que deve ser dramatizado e não o estilo. O argumento deve encontrar o seu próprio estilo, como se empunhasse verdadeiramente o conteúdo. E, fazendo isso, poderá realçãr uma outra face escondida da construção do romance. Isso pode ser tão bom como o romance, ou não; às vezes, pode dar-se o caso de ser, de certa forma, bem melhor...
Concluindo, podemos perguntar-nos se a realização não é mais do que a continuidade da escrita. Penso que é precisamente isso que a realização deveria ser... Quando o realizador não é o autor, penso que o seu dever é respeitar a cem por cento o sentido do autor e de nada sacrificar no texto em nome de um momento crucial ou de efeitos especiais.
Esta parece ser uma noção bastante evidente, mas quantos filmes ou peças vimos em que a experiência era excitante e atraente mas que, depois de terminada, nada ficou? E isso deve-se geralmente a um estímulo artificial dos sentidos através da técnica que não tem em consideração a concepção artística da obra. É aqui que podemos ver o culto do realizador naquilo que ele tem de pior.
Por outro lado, não quero estabelecer rigidez. Quando se faz um filme, o que ele tem de mais exaltante é a participação no processo que permite um trabalho de grandiosidade através de uma colaboração vital entre o argumento, o realizador e os actores.
Toda a obra de arte realizada segundo as regras induz um vaivém permanente entre a sua concepção e a sua execução, uma vez que a sua intenção original é constantemente alterada à medida que a sua intenção original é constantemente alterada à medida que o artista tenta realizá-la objectivamente. Na pintura, isso produz-se entre o artista e a sua tela; no cinema, passa-se entre as pessoas."
"As Palavras e os Filmes", por Stanley Kubrick,
publicado na revista britânica de cinema "Sight&Sound"
1960-1961
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